Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 31 de outubro de 2010

Última chamada!

"Alice ao avesso" encerra hoje, às 19h, sua primeira temporada no Teatro Sesi Holcim (Rua Padre Marinho, 60 - Santa Efigênia). Dá gosto ver o trabalho da trupe Querida reunida. Abaixo, o olhar invisível de Adriana Porto na apresentação da última sexta-feira. Aos amigos que estão fazendo correr o boca-a-boca, obrigado! Aos que ainda não foram, apareçam!







sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Última semana

Última semana para ver "Alice ao avesso", da Querida Companhia de Arte. Hoje e amanhã, às 21h; domingo, às 19h. No Teatro Sesi Holcim (Rua Padre Marinho, 60 - Santa Efigênia). Na foto, os bons atores João Porto e Emílio Zanotelli, que, ao lado de Ana Cândida Cardoso, Lilian Campomizzi, Paula Sá e Wallison Reis, mandam bem demais na cena. Espero vocês!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Carta ao ator D, de Eugênio Barba

Lembro-me bem quando a atriz e professora Ângela Mourão trouxe à sala de aula a "Carta ao ator D", escrita por Eugênio Barba (foto). Foi no Centro de Formação Artística (Cefar) do Palácio das Artes, no início dos anos 1990. Na ocasião, aluno, pensei bastante a respeito do que o conceituado diretor italiano, fundador do Odin Teatret, quis dizer com seu desabafo. Quase 20 anos depois, professor e orientador de intérpretes das mais variadas estirpes, uma releitura para tentar salvar os que parecem não ter salvação:

"Freqüentemente me surpreende a ausência de seriedade em seu trabalho. Não é devido à falta de concentração ou de boa vontade. É a expressão de suas atitudes.

Antes de tudo, tem-se a impressão de que suas ações não são ditadas por uma convicção interior ou por uma necessidade que deixa sua marca no exercício, na improvisação, na cena que você executa. Você pode estar concentrado no seu trabalho, não estar se poupando, seus gestos podem, tecnicamente, ser precisos e, no entanto, suas ações continuam sendo vazias. Não acredito no que você está fazendo. O seu corpo só diz uma coisa: obedeço a uma ordem dada de fora. Seus nervos, seu cérebro, sua coluna não estão comprometidos, e, com uma atitude epidérmica, quer me fazer crer que cada ação é vital para você. Você mesmo não percebe a importância do que quer fazer partícipe os espectadores.

Então, como pode esperar que o espectador fique preso por suas ações? Como você poderia, assim, afirmar e fazer compreender que o teatro é o lugar onde as convenções e os obstáculos sociais devem desaparecer, para deixar lugar a uma comunicação sincera e absoluta? Você neste lugar representa a coletividade, com as humilhações que passou, com seu cinismo que é autodefesa, e seu otimismo, que é a própria irresponsabilidade, com seu sentimento de culpa e sua necessidade de amar, a saudade do paraíso perdido, escondido no passado, na infância, no calor de um ser que lhe fazia esquecer a angústia.

Todas as pessoas presentes nesta sala ficariam sacudidas se você efetuasse, durante a representação, um retorno a estas fontes, a este terreno comum da experiência individual, a esta pátria que se esconde. Este é o laço que o une aos outros, o tesouro sepultado no mais profundo do nosso ser, jamais descoberto, porque é nosso conforto, porque dói ao tocá-lo.

A segunda tendência que vejo em você é o temor de levar em consideração a seriedade deste trabalho: sente uma espécie de necessidade de rir, de distrair-se, de comentar humoristicamente o que você e seus companheiros fazem. É como se quisessem fugir da responsabilidade que sente, inerente à sua profissão, e que consiste em estabelecer uma relação e em assumir a responsabilidade do que revela. Você tem medo da seriedade deste trabalho, da consciência de estar no limite do que é permitido. Tem medo de que tudo aquilo que faz seja sinônimo de fanatismo, de aborrecimento, de isolamento profissional. Porém, num mundo em que os homens que nos rodeiam já não acreditam em mais nada ou pretendem acreditar para ficarem tranqüilos, aquele que se afunda em si mesmo para enfrentar a sua condição, a sua falta de certezas, a sua necessidade de vida espiritual, é tomado por um fanático e por um ingênuo. Num mundo, cuja norma é o enganar, aquele que procura "sua" verdade é tomado por hipócrita.

Deve aceitar que tudo no que você acredita, no que você dá liberdade e forma no seu trabalho, pertence à vida e merece respeito e proteção. Suas ações, na presença da coletividade dos espectadores, devem estar carregadas da mesma força que a chama oculta na tenaz incandescente, ou na voz da sarça ardente. Somente então, suas ações poderão fermentar conseqüências imprevisíveis.

Enquanto Dullin jazia em seu leito de morte, seu rosto se retorcia assumido as máscaras dos grandes papéis que viveu: Smerdiakov, Volpone, RicardoIII. Não era só o homem Dullin que morria, mas também o ator e todas as etapas de sua vida.

Se lhe pergunto por que escolheu ser ator, me responderá: para expressar-me e realizar-me. Mas que significa realizar-se? Quem se realiza? O gerente Hansen que vive uma existência respeitável, sem inquietudes, nunca atormentado por estas perguntas que ficam sem resposta? Ou o romântico Gauguim que, depois de romper com as normas sociais, terminou sua existência na miséria e nas privações de uma pobre aldeia polinésia, Noa-Noa, onde acreditava ter encontrado a liberdade perdida? Numa época em que a fé religiosa é considerada como neurose, nos falta a medida para julgar o êxito ou o fracasso de nossa vida.

Sejam quais foram as motivações pessoais que o trouxeram ao teatro, agora que você exerce esta profissão, você deve encontrar um sentido que vá além de sua pessoa, que o confronte socialmente com os outros.

Somente nas catacumbas pode-se preparar uma vida nova. Esse é o lugar de quem, em nossa época, procura um compromisso espiritual se arriscando com as eternas perguntas sem respostas. Isto pressupõe coragem: a maioria das pessoas não tem necessidade de nós. Seu trabalho é uma forma de meditação social sobre si mesmo, sobre sua condição humana numa sociedade e sobre os acontecimentos de nosso tempo que tocam o mais profundo de si mesmo. Cada representação neste teatro precário, que se choca contra o pragmatismo cotidiano, pode ser a última. E você deve considerá-la como tal, como sua possibilidade de reencontrar-se, dirigindo aos outros a prestação de contas de seus atos, seu testamento.

Se o fato de ser ator significa tudo isto para você, então surgirá um outro teatro; uma outra tradição, uma outra técnica. Uma nova relação se estabelecerá entre você e os espectadores que à noite vêm vê-lo, porque necessitam de você.

(Fim)"

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O voto ou as chinelas à beira-mar?

É preciso ser sincero para justificar o privilégio de poder descer a caneta neste quintal. Não dá para negar que um feriadão assim, pela reta, é por demais tentador para quem trabalha e estuda 16 ou 18 horas por dia. Ainda mais quando se tem filhos e casinha na praia. No entanto, o próximo domingo, dia de eleição, é data para se considerar. É compromisso que merece respeito. Apesar da tentação, o dever do voto me chama. Estou decidido a deixar de viajar para o Espírito Santo para fazer o meu papel. Alguns companheiros, especialmente os amigos de praia, estão dizendo que estou levando muito a sério essa história de fazer a minha parte.

O Biju, de Itapemirim, escreveu: "Com essa corja que está aí, Josiel, é nunca que eu ia deixar de ficar com a minha família pra votar. Vem bora, sô! Vamo ferver os goiamum". Figuraça o Biju. A decisão já está tomada. Violeta e eu vamos ficar e fazer a nossa parte. É a minha voz nas urnas. O velho Botelho, lá em Marataízes, compreende muito bem. Ontem, pela manhã, conversamos por telefone: "Tá certo, filho. Não vou nem insistir porque entendo perfeitamente a sua postura. Já pensou se todo mundo resolver emendar o feriado e deixar de votar? A gente tem que fazer a nossa parte. A gente tem mesmo é que ter atitude, filho. Tá certo. Assim você tá é dando exemplo para os seus filhos. Depois, assim que der, a gente aproveita em dobro". É assim o velho Botelho. Deu-me exemplo a vida toda. Agora, é a minha vez de contribuir com os meus garotos. Gabriel e Tiago já começam a entender o que isso significa, tenho certeza.

E como o assunto é política, que fitão esse Tropa de elite 2, hein!? Caramba! Como tem coragem esse tal Padilha, diretor do filme. Fui duas vezes só para entender o recado do cineasta. Nem precisava ver duas vezes. Está tudo lá, claro e transparente. Fica até mais fácil entender a revolta do amigo Biju. O cenário principal é o Rio de Janeiro, mas bem que poderia ser outro lugar qualquer neste Brasil de tanta corrupção. Claro que Brasília está lá, absoluta, na telona. Que beleza de filme. Os atores estão mandando muito bem. Não é possível que uma obra dessa grandeza não consiga fazer alguma diferença. Tem que fazer. Não é possível que o sujeito que mete a mão no dinheiro público, depois de um filme assim, continue roubando o povo brasileiro. O Adelson acha que não muda nada: "Gente que rouba o povo não tem vergonha na cara. É capaz de ir lá, ver o filme e ainda se divertir, Josiel".

Prefiro não dar razão para o companheiro. Mas até que ele não deve estar de todo errado. Do jeito que a corrupção anda, tão deslavada, é bem possível que seja assim mesmo. Dá até para imaginar o bandidão de gravata, sorrindo entre seus iguais e dizendo: "Que fitão!" Contudo, ainda assim, domingo vou à urna. Um dia, quem sabe, a história pode ser diferente.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 27/10/10

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O bom teatro também pode ser bom negócio


Fala-se demais nas diferenças entre "teatro de pesquisa" e "teatro comercial". O fato é que já há alguns anos – mesmo importantes, é verdade – as leis de incentivo à cultura acabam por alimentar preconceitos entre os pequenos do teatro-cabeça. A questão é simples: há venda de ingresso ou troca de qualquer moeda? É comércio. Na arte, nem todo trabalho tratado comercial é ruim, assim como nem todo trabalho vendido pesquisa é bom – vê-se coisas vergonhosas levantadas com dinheiro público. Mas isso é assunto para mais de metro. Não vale render neste post. Hoje, a intenção é compartilhar texto de estudo da professora Iná Camargo Costa, doutora em filosofia pela Universidade de São Paulo, sobre a influência de Stanislavski nos Estados Unidos:

"Nos Estados Unidos, teatro sempre foi negócio sério, com o qual o Estado nunca teve qualquer compromisso, salvo pelo curto período (1935 a 1939) do Governo Roosevelt, quando uma pequena verba foi destinada a socorrer artistas desempregados, no âmbito da política do new deal.

Para se ter idéia do significado da palavra negócio, neste caso, basta dizer que, até 1914, a maior empresa dedicada à sua exploração, a dos irmãos Shubert, controlava 350 salas de espetáculo em todo o país, e que nos anos de 1920 (quando se consolidou a Broadway como o maior centro de produção de mediocridades) havia centenas de pequenas empresas produtoras sob o guarda-chuva da Shubert Teatrical Corporation. Um desdobramento necessário desta idéia: quando o cinema surgiu como produto mais lucrativo que o espetáculo teatral sob qualquer ponto de vista, esses produtores não hesitaram em transformar seus teatros em salas de exibição de filmes ou de espetáculos por sessões, na melhor das hipóteses alternando espetáculos de variedades (que podiam incluir até números de strip-tease) e projeções de filmes.

Num ambiente deste tipo, surge quase que naturalmente o star system, em que num primeiro momento grandes estrelas (homens ou mulheres) caem no gosto do público e se tornam chamarizes de bilheteria. Por causa delas os elencos se hierarquizam, atores se especializam e as próprias peças são escritas, desde logo oferecendo ao público o conhecido "mais do mesmo". As estrelas são tratadas com a máxima distinção, inclusive monetária - já que "valem mais" que os meros figurantes -, e em torno delas se desenvolve toda uma rede de interesses e grandes negócios liderada pela imprensa (jornais e publicações especializadas, que incluem livros e revistas).

As condições de trabalho, quando não chegam às raias da escravidão, envolvem de péssimos salários para quem não é estrela ao aterrorizante lema "o espetáculo tem que continuar", que despreza condições físicas ou psicológicas dos empregados (atores, técnicos, funcionários), ignora condições mínimas de palco (permitindo que artistas corram riscos de vida) e mesmo de sala - que podem ser inacreditáveis pulgueiros, para não dizer coisa mais pesada, pois põem em risco a saúde pública e assim por diante. Arte é uma palavra que passa muito longe do negócio, em larga medida herdada por Hollywood, que o desenvolveu amplamente e assumiu a liderança no setor (o teatro passou a funcionar de modo subordinado, sem nunca perder a condição de "laboratório artístico"), situação que persiste até hoje, pois por enquanto estamos falando de business.

Não trataremos aqui das tentativas dos trabalhadores - dramaturgos e atores, principalmente - de enfrentar os patrões, pois isto nos levaria longe demais. Mas fique o registro da criação de inúmeras organizações sindicais que trataram de moderar o apetite dos investidores lutando por direitos autorais, no caso dos dramaturgos, e por mínimas condições de trabalho, no caso dos atores e técnicos. Nosso assunto aqui tem a ver com a insatisfação de dramaturgos, atores e diretores quanto aos resultados de seu trabalho e com as condições de produção. Os dramaturgos, como é o caso de um O'Neill no início dos anos de 1920, porque não admitiam a hipótese de ver seus textos interpretados por companhias como as então existentes, e os atores e/ou diretores, porque tinham conhecimento das possibilidades de atuar de modo diferente, e que já se desenvolviam na Europa, principalmente na Rússia. Desde 1905, quando o Teatro de Arte de Moscou (doravante referido como TAM) fez sua primeira excursão por Paris e Berlim, circulavam nos Estados Unidos notícias sobre "uma nova maneira de interpretar".

Para além de notícias regulares em jornais americanos e ingleses, em 1911 a publicação do livro de Gordon Craig (Da arte do teatro), com entusiásticos elogios a Stanislavski, estabelece um padrão de curiosidade sobre o trabalho do ator que só tende a se intensificar nos anos seguintes. Por sua vez, a Revolução de Outubro de 1917 amplia o raio da curiosidade para o teatro russo (e agora soviético) como um todo: em 1919 uma revista muito popular (Drama Magazine) publica um artigo que, sob o título O teatro dramático russo, já estabelece até mesmo as diferenças entre os métodos de Stanislavski e Meierhold.

Finalmente, em 1922 o New York Times traz a notícia que todos os interessados em teatro esperavam: nova excursão do TAM, que agora inclui os Estados Unidos no roteiro. Falando de negócios, esta notícia marca o início de uma campanha publicitária que, por seu alcance e duração, só pode ser comparada às campanhas de lançamento de filmes de Hollywood. Por exemplo: o correspondente do Times em Berlim relata o sucesso da apresentação do Tzar Fiodor e adianta que não é preciso saber russo para entender tudo o que acontece em cena. As outras providências práticas incluíam ampla divulgação por meio de anúncios em todo tipo de veículo e sobretudo: venda antecipada de ingressos.

Mas, como estamos falando de uma companhia teatral da União Soviética, os empresários americanos acabaram contando com uma inesperada colaboração da direita para o sucesso da empreitada. Em Washington, a seção da American Defense Society promove uma manifestação de protesto, levantando a suspeita de que o TAM poderia ser um bando de espiões soviéticos e que estavam angariando fundos para a causa do comunismo internacional. Com o New York Times e o New Republic à frente, a grande imprensa (cujos interesses em comum com o negócio do teatro já foram apontados) partiu para a defesa da iniciativa, inclusive em editoriais, em nome da liberdade artística. Um dos grandes jornais publicou a declaração de Stanislavski em Paris: "Não temos ligação com o governo soviético. Só estamos interessados em arte. Nós trouxemos a nossa arte, não política" - o que, de fato, era verdade.

O resultado da campanha ultrapassou as previsões mais otimistas. O TAM estreou em Nova York, em janeiro de 1923, com a casa lotada, e uma temporada prevista para dois meses foi esticada para três, com direito a novo contrato para novembro daquele mesmo ano e, desta vez, com o seguinte roteiro: nove semanas em Nova York, três em Chicago, uma nas cidades de Boston, Filadélfia, Washington, Pittsburgh, Brooklin, Detroit e Cleveland; três dias em Hartford e também em New Haven. Esta temporada se encerrou em maio de 1924.

A imprensa deu conta de registrar as mais importantes unanimidades americanas a respeito dos espetáculos do TAM: a barreira lingüística não prejudicou a fruição dos espetáculos porque se tratava de entender e sentir o que acontecia em cena; no palco assistia-se a uma fatia de vida e não a uma peça de teatro; os atores vivem seus papéis, não os interpretam; e, independentemente de haver hierarquização dos personagens, todos os atores têm igual importância na realização do espetáculo, o que resulta do trabalho conjunto (ensemble), coisa jamais vista nos Estados Unidos.

Como não podia deixar de ser, os maiores interessados em ver os espetáculos do TAM eram os próprios atores das inúmeras companhias. Por meio da Actors Equity (uma organização sindical) obtiveram para a classe a realização de sessões especiais que sempre tiveram lotação esgotada. John Barrymore (da dinastia dos Drew), um dos maiores atores do star system, declarou que aqueles espetáculos foram a melhor coisa que se viu na vida em matéria de teatro.

Uma das atrizes do elenco, Maria Uspenskaia, resolveu permanecer nos Estados Unidos e, junto com Richard Boleslavski, veterano do TAM que se encontrava no país, acabaram sendo contratados para dar aulas de interpretação num empreendimento (igualmente business) que se chamou "American Laboratory Theatre" iniciado já no ano de 1924. Na verdade, Boleslavski cuidava da teoria que expunha em palestras e Uspenskaia cuidava da prática em suas aulas.

Assim como esses dois, alguns outros veteranos do TAM vieram para os Estados Unidos ao longo dos anos de 1920 e início dos anos de 1930, onde se estabeleceram e assumiram a missão de transmitir o legado de Stanislavski, dos quais vale mencionar Maria e Ivan Lazariev, Leo e Barbara Bulgakov e, finalmente, Mikhail Tchékhov, sobrinho do dramaturgo, que passou primeiro pela Inglaterra, onde fundou um estúdio, e só chegou em Nova York no final dos anos de 1930. Ele foi professor do nosso conhecido Yul Brynner.

Por aquilo que já ficou dito, obviamente o "sistema" de Stanislavski não podia funcionar no star system americano e a questão do repertório (Ibsen, Gorki, Tchékhov) talvez nem seja a mais determinante. Mais que difícil, impossível para um empresário teatral seria aceitar que seus elencos se organizassem como ensembles para ensaiar e apresentar as peças, quaisquer que fossem. Primeiro, pelo tempo necessário aos ensaios (enquanto pelo padrão Broadway uma peça podia no máximo consumir quatro semanas em ensaios, pelo padrão Stanislavski podia requerer mais de quatro meses) e, em segundo lugar, pela democratização do trabalho conjunto que implicava necessariamente a supressão das estrelas (as "galinhas dos ovos de ouro" do sistema).

Essa é a razão, por assim dizer, endógena (ao ambiente teatral) por que, desde o início, Stanislavski foi um assunto e um interesse da esquerda americana, ainda que sua introdução no país tenha sido uma operação estritamente de mercado. A outra razão do interesse por este mestre do teatro está ligada a seu vínculo natural com os problemas sociais e políticos do país, que também se traduzem em textos teatrais e se traduziram em experimentos e iniciativas que se contrapunham ao star system.

O próprio American Laboratory Theatre é um exemplo disso e na mesma conjuntura apareceram duas iniciativas complementares ou mesmo vinculadas a ele. A primeira foi a criação do Civic Repertory Theatre em 1926 por Eva Le Gallienne, proveniente de família com tradição no show business, que incorporou a seu elenco a atriz do TAM, Alla Nazimova, e se dedicou a encenar Ibsen e Tchékhov segundo o padrão stanislavskiano. A segunda foi o Group Theatre, criado por profissionais do Guild Theatre (a mais avançada, moderna e respeitada companhia do star system) que foram alunos de Boleslavski e Uspenskaia no American Laboratory Theatre: Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasberg. Foi também no American Laboratory Theatre que Harold Clurman conheceu Stella Adler, com quem mais tarde se casaria (na verdade reencontrou a atriz que na infância vira no teatro ídiche de Nova York).

O Group Theatre também merece uma história à parte (já existe razoável bibliografia a respeito), mas, para o que nos interessa agora, é preciso registrar que com ele pelo menos duas coisas ficaram demonstradas na cena americana. A primeira é obviamente a viabilidade, o interesse e a superioridade do trabalho teatral realizado por um ensemble. E a segunda foi a consolidação da dramaturgia séria americana, fenômeno que só aconteceu no século XX e teve como pioneiros na primeira década do século Elmer Rice e Eugene O'Neill.

O capítulo seguinte desta história tem como protagonista Lee Strasberg, o primeiro diretor do Group Theatre e que passou a ser conhecido como o responsável pelos desenvolvimentos propriamente americanos da teoria stanislavskiana, sobretudo nos anos de 1940, quando se tornou o maior mestre de atores no Actors' Studio e "senhor" do "Método". Sua fama já vinha de algumas das experiências no Group e, descontando ao menos em parte a mitologia criada em torno de sua figura, vale a pena reconstituir em linhas gerais o tema básico da "questão do método" que nos anos de 1950 envolveu a quase totalidade da classe teatral - e, a esta altura, a cinematográfica também.

Por certo houve disputas diversas para se definir quem seria o legítimo "herdeiro" de Stanislavski nos Estados Unidos já no século XXI; não pode mais ser esse o móvel da curiosidade de quem vive num país como o nosso, que só acompanhou tudo isso muito à distância e sobretudo em seus aspectos inteiramente transformados em folclore (pelas "publicações especializadas" do próprio star system).

De qualquer modo, o que poderíamos chamar de disputa entre Lee Strasberg e Stella Adler tem alguma coisa produtiva que ainda hoje pode ser de interesse para nós. Tendo entrado para o Group em 1930 (ele fora fundado em 1929), ela estreou com seu irmão Luther numa peça de John Howard Lawson, dirigida por Lee Strasberg, Success story. O resultado foi tão notável que a peça e sua atuação memorável, especialmente na cena final, se tornaram cult (para usar o nosso jargão recente). Sobretudo atores se empenhavam em vê-la e consta que John Barry-more ia ao teatro para estudar seu trabalho. Noel Coward teria visto a peça por sete vezes!

O problema apareceu em seguida, quando a atriz se sentiu tolhida pelo método de trabalho de Strasberg que, àquela altura, era centrado na exploração da memória afetiva do ator. A atriz afastou-se do grupo, viajou à Europa e em Paris conheceu ninguém menos que o próprio Stanislavski. Em uma longa conversa com ele, concluiu que o seu problema não era com o sistema do mestre russo, mas sim com a maneira como Strasberg o desenvolvera. Voltando ao Group, começou a dar aulas também, tratando de dar ênfase a aspectos com que Strasberg não trabalhava, sobretudo o papel da imaginação do ator em seu trabalho. E, liberta das amarras da "memória afetiva", voltou a encontrar prazer em atuar, criando em 1935 uma Bessie (personagem de Awake and sing, de Clifford Odets, dirigida por Harold Clurman) que também ficou na história.

O Actors' Studio foi fundado em 1947 por Cheryl Crawford, Elia Kazan e Robert Lewis. Estes dois começaram como estudantes do Group Theatre, mas Bobby Lewis já fizera parte do elenco do Civic Repertory Theatre (como, aliás, inúmeros outros membros da primeira turma do Group). Com a saída deste em 1948, Lee Strasberg foi convidado a participar do empreendimento e ali encontrou finalmente o lugar onde levaria suas idéias sobre formação do ator às últimas conseqüências. A partir de 1951 tornou-se o diretor artístico do Studio. Quanto a Stella Adler, com o encerramento em 1939 das atividades do Group, passou a lecionar na Erwin Piscator's Dramatic Workshop da New School for Social Research. Mais tarde, em 1949, cria o Stella Adler Acting Studio e, desde então, nunca mais parou de dar aulas. (Para quem gosta de histórias fechadas, Strasberg morreu em 1982 e Stella Adler em 1992.)

Com essas informações, estão identificados os principais representantes americanos da Escola de Stanislavski nos Estados Unidos. O detalhe importante é que ambos são provenientes da vida cultural judaica em Nova York.

Nos anos de 1930, a cultura relevante nos Estados Unidos era de esquerda e isso aparecia de modo mais claro no teatro. Foi esta situação que permitiu aos adeptos de Stanislavski implantarem no país uma cultura teatral infinitamente mais exigente em termos artísticos do que o establishment jamais fora capaz de produzir. As condições materiais foram criadas pelo crack da Bolsa em 1929, que fez o dinheiro das produções da Broadway virar pó e levou os "grandes produtores" a baterem em retirada. Mas com os ganhos da Segunda Guerra, eles se realinharam e rapidamente retomaram os seus lugares e, sobretudo, o controle ideológico do debate sobre o teatro.

Assim, ao mesmo tempo em que grandes acontecimentos teatrais, amplos sucessos de público e bilheteria, eram promovidos pela esquerda, como a revelação de Tennessee Williams em 1947 com Um bonde chamado desejo e a de Marlon Brando como um dos maiores atores de sua geração, ou a de Arthur Miller em 1949 com A morte de um caixeiro viajante, eles iam sendo neutralizados pelo establishment com o crescente processo de discussão e, finalmente, a desqualificação do "método". Esta é uma história que ainda não foi devidamente examinada nem pelos próprios estudiosos do teatro americano moderno, mas existem vários registros das tentativas, por parte de seus adeptos, de ao menos colocar a discussão nos seus devidos termos. Os livros de Lee Strasberg (Um sonho de paixão) e Robert Lewis (Método ou loucura), ambos publicados no Brasil, são importantes capítulos dessa verdadeira guerra travada na cena americana, sobretudo a partir dos anos de 1950. Mais recentemente, editoras brasileiras parecem ter descoberto também a contribuição de Stella Adler, mas estamos muito longe de dispor de um quadro mínimo do que se precisa saber em língua portuguesa.

Basicamente, Lewis e Strasberg nos ajudam a entender a preocupação central de Stanislavski com a formação exigente do ator. Stella Adler, além disso, tem a preocupação, que também era de Stanislavski, com o estudo dos principais dramaturgos do final do século XIX que, em suas palavras, ainda são tão mal lidos, mal compreendidos e mal encenados no teatro americano. Se ela estiver certa, a contra-revolução promovida pelo establishment foi vitoriosa em todas as frentes. E a principal indicação de que sim é o sucesso que faz em um teatro paulista a produção "nacional" de A bela e a fera: teatro infantil para adultos!

Não vemos, entretanto, paradoxo nenhum no fato de que ainda hoje, apesar da contra-revolução, os mais relevantes atores do cinema americano, a cujo trabalho temos acesso, tenham sido todos aprendizes dos discípulos americanos de Stanislavski. Para ficar em poucos exemplos: Anne Bancroft, Al Pacino, Geraldine Page, Harvey Keitel, Dustin Hoffman..."

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Antes que o amanhã aconteça (7)

Na companhia de Dorinha, Ariela foi soltando a língua. Excitadíssima, parecia ter reencontrado amiga de infância. Deixou falar joelhos e cotovelos. Cada vez mais envolvida pelo jeito moleque e determinado da guria, a artista da voz macia, gentil e carinhosa, começou a perceber a confiança construída ao acaso naquela manhã. “Podia ser minha irmã caçula”, pensou Dorinha. À primeira vista, a garota lembrava mesmo a parente, que morava em Ponte Nova. O sorriso de curvatura pequena e o jeito mulher que dá a volta por cima, sem drama ou chorumela, eram por demais familiares. Há menos de hora, Ariela estava em frangalhos pelo corredor. Agora, falava com a agitação de quem parecia pronta para cair em balada. Contudo, o velho Ananias, volta e meia lhe retomava as ideias:

– O pai sempre foi um lutador. Deu foi azar de só gostar de mulher que não presta.

– Não fale assim. E sua mãe?

– Também nunca prestou. Pintou o sete com ele. Não deixava ele fazer nada. Nem pescar com os amigos ele podia. Na rua, ele, polícia, mandava e desmandava. Já em casa, parecia um boneco nas mãos da velha. Até macumba ela fazia. É. Pra espantar qualquer rabo de saia que pudesse aparecer na frente dele.

– Sua mãe mexia com essas coisas?

– Não só mexia como ensinava os outros a mexer. Uma vez eu vi ela meter a faca na barriga de um carneiro e beber o sangue dele vivo. Na frente de um monte de mulher mal amada. Já cortou a cabeça de porco, galinha e gato preto.

– Meu Deus!

– Toda vez que uma mulher perdia o homem, batia lá em casa pra velha dar um jeito. Tomou dinheiro de gente desesperada e costurou muita boca de sapo.

– Nossa. A sua infância deve ter sido horrível.

– Só não foi pior porque ela deixava a gente brincar com os bonecos que ela fazia. Eu não achava muita graça, mas meus irmãos adoravam espetar aqueles corpinhos de pano e serragem com varetas de bambu. Quando cresci fui saber que aquilo era coisa do mal.

– Que mulher é essa?

– Minha mãe.

– E ela até hoje faz isso?

– Tem muito tempo que eu não tenho nem notícia. Sei lá, até hoje deve tá fazendo. Andou por uns tempos dizendo que havia aceitado Jesus, que era crente. Depois tava fervendo no despacho de novo. Lá em casa, toda vez que acontecia alguma coisa de ruim, morria um bicho preto no quintal. Não esqueço nunca. Meu pai morria de medo das rezas da velha. Dizia que ela tinha parte com o capeta. Na época eu achava ruim. Até chorava quando ele falava isso. Depois fui compreender que ele tinha razão.

– Minha raiva do seu pai até passou, Ariela. Mas ele não pode bater em você.

(Continua na próxima segunda-feira)

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 25/10/10

domingo, 24 de outubro de 2010

Meyerhold, apoiador de "Alice ao avesso"

Depois de tempos de processo para levantar "Alice ao avesso" – especialmente à mesa, debruçado sobre os textos de Lewis Carrol –, vale compartilhar com o amigo leitor alguns estudos fundamentais à realização da peça, encenada pela Querida Companhia, em cartaz no Teatro Sesi Holcim. Abaixo, "Meyerhold e a materialidade do evento cênico", por Marcus Mota, pela Universidade de Brasília.

"Um dos aspectos recorrentes nos escritos de Meyerhold é a reação a uma determinada concepção do teatro como reprodução da realidade, no caso o teatro naturalista do estilo dos Meiningen. Essa concepção, algumas vezes acatada pelo Teatro de Arte de Moscou, baseia-se na tradição de ‘grande espetáculo’, que oferecia ao público pagante um desfile de excessos – multidões, canhões, maquinário cênico, épocas passadas com todos apetrechos e quinquilharias.

A solução para o impasse provocado pela forte correlação entre o verismo da reconstrução histórica e o seu hipnotismo ilusionista foi incrementada por meio do contato com a obra de Tchecov, e, posteriormente, com a dos simbolistas.

Por exemplo, durante a preparação de A morte de Tingalis houve um entrechoque entre os cenotécnicos e a direção artística: os esboços dos planos das cenas elaborados pela direção confrontavam-se com as maquetes que reproduziam interiores e exteriores das cenas. A ruptura com hábitos e técnicas da cenografia naturalistas passava pela simplificação do maquinário. Ao invés da pesada e complicada materialização de um espaço em tamanho natural com todos os seus volumes e detalhes, temos, como na montagem da peça Colega Crampton, de Hauptmann, manchas grandes e vivas, a própria pintura como cenário, coisa e quadro. Essa imagem não acabada, mas suficiente, retrabalhada com a iluminação e alguns objetos de cena, essa tela imensa limitada por uma grande janela ao alto assentava as bases do convencionalismo cênico de Meyerhold.

Substituindo a continuidade normalizadora de uma cenografia totalizante por pinceladas, Meyerhold deslocava o eixo de atenção do mundo fora da cena para aquilo que se colocava em cena. Mais propriamente: o que se exibia, o que se mostrava à platéia eram as operações de seleção e reconfiguração de materiais, eram os materiais redefinidos – o processo criativo mesmo de apropriação e transformação dos materiais.

Em um primeiro momento, tal operação fundamental da dramaturgia da encenação - remoção das trucagens e maquetes – parecia assinalar um esvaziamento do palco, sua desmaterialização. Porém, com menos coisas, materializavam-se melhor aquilo que é a realidade do evento teatral – atos e objetos que se apresentam a partir da percepção de sua distinta elaboração.

Um segundo obstáculo para a experiência de teatralidade desenvolvida por Meyerhold no Teatro Estúdio residia na formação dos atores. Daí entrava em cena a questão da dramaturgia de Tchecov. Os complexos agentes da dramaturgia de atmosfera seriam casos especiais, desafios ao naturalismo. Ao se enfrentar o repertório de Tchecov, o diretor e o ator estariam em um comum e perigoso empreendimento cujo sucesso ou fracasso interpretam-se em relação a confirmar ou não uma pré-estrutura da “verossimilhança cênica”.

O enfrentamento do repertório de Tchecov é ambivalente: de um lado aponta para o limite de uma concepção que busca a plenitude do espetáculo na plenitude da caracterização; de outro, parece coroar a expansão totalizante de uma concepção que se torna pressuposto transhistórico e multi-aplicável no emergente campo das artes cênicas.

“A arte de qualquer ator se apassiva quando se converte em essencial”- este lema esclarece o reposicionamente de Meyerhold diante do trabalho com os atores. É solicitado ao ator não a execução de atos previamente marcados, mas sim que se insira na atividade de construção do espetáculo, que ele mesmo, com seu corpo, seja mais uma das coisas dispostas em cena. Espacializando-se, sendo a própria coisa observada, o ator materializa-se e materializa o espetáculo. Disponibilizando-se como algo a ser percebido a partir da configuração de seus atos, o ator não está preocupado em ajustar o que faz a uma pretensa universalidade verossímil. O que explica o que ele realiza são os atos que efetiva. O domínio de gestos, atitudes, olhares, silêncio escolhidos, conectados e experimentados durante o processo criativo é exibido e explorado durante as apresentações. A descoberta do modo como manipular sua presença é performada. Cada montagem vai exigir do ator essas descobertas, essa atividade criadora. Quanto mais o ator se defrontar com repertórios e tradições diversificadas mais vai flexibilizar e aprimorar sua atividade interpretativa. Da impossibilidade de representar de uma só vez a realidade em sua plenitude fica a necessidade de cumulativamente desenvolver habilidades a partir de processos criativos específicos.

Ou seja, Meyerhold rompe com o sistema ilusionista que o precedia e que ele utilizara em sua carreira como ator e diretor iniciante. Essa ruptura pode ser bem compreendida no ato de trazer para o primeiro plano, para a frente do palco atividades que se encontram nos bastidores, ocultas no maquinário do teatro. O sistema ilusionista, com seu ideal de propor para a audiência a contemplação de um mundo aparentemente fechado em si mesmo, sustentava-se em uma estranha dialética entre aquilo que se mostra e aquilo que se oculta. Meyerhold, a partir do estudo das limitações desse sistema, demonstra como esse dualismo é redutor e artificial, pois se fundamenta em exclusões, em restrição das possibilidades de todas as cadeias do processo de composição, realização e recepção de eventos multidimensionais.

O paradoxo da operação meyerholdiana reside no fato de se evidenciar o evento teatral como algo construído, de se aproximar o processo criativo da performance, de se valer das referências à própria organização do espetáculo como material para as interações recepcionais. No sistema ilusionista havia o espetáculo estava condicionado a uma trama clara, a uma narrativa que organiza a sucessão dos acontecimentos representados. Essa subordinação dos atos interpretativos a uma instância prévia desencadeava uma hierarquia, uma tendência à homogeneização da diversidade de atividades e referências. Daí o dualismo, o jogo do que se mostra e do que se esconde.

Quando as máquinas são os homens, como na biomecânica, as posições se alteram, os significados estáveis entram em ruína. O palco se vê tomado por figuras que se revelam em sua totalidade. Elas se sobrecarregam de funções e habilidades (corpos em movimento são cenografia), o que colabora para que a audiência não simplesmente siga o acabamento dos eventos exibidos no cumprimento da lógica verossímil proposta. O chamado ‘teatro teatral’ de Meyerhold postula o não apagamento ou ocultação dos atos e dos suportes do acontecimento cênico. Aquilo que se mostra exibe referências para a sua compreensão e fruição, e não apenas a atualização do esquema de sua legibilidade. E é para este momento, para o espaço de emergência da performance e dos vínculos entre performers e audiência que a ruptura Meyerhold se dirige.

A partir de Meyerhold, a materialidade da cena não é um ato subsidiário, uma encarnação das idéias, um detalhamento de alguns aspectos pontuais da narrativa. A materialidade da cena é espetáculo mesmo. Nessa tautologia refuta-se o autocentramento do sistema ilusionista do naturalismo teatral e abre-se o caminho para a autonomização das artes do espetáculo, explorada no século XX por programas estéticos os mais diversos".


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Enfim, a nossa Alice!

Deu no Estado de Minas:

A outra Alice
Clássico de Lewis Carroll inspira peça de estreia da Querida Companhia de Arte

"Alice ao avesso é livre adaptação de Alice no país das maravilhas e de Alice através do espelho. O texto, assinado por Jefferson da Fonseca Coutinho, foi parar no palco sob direção do próprio autor e apresenta ao público a Querida Companhia de Arte. “Estamos abrindo o grupo com essa peça. Nos formamos na PUC Minas há três anos e também nos dedicamos à pesquisa”, afirma a atriz Ana Cândida.

A companhia tem outra integrante, Paula Sá, mas a intenção é que convidados estejam sempre por perto. Sendo assim, participam do elenco de Alice ao avesso Emílio Zanotelli, João Porto, Lílian Campomizzi, Wallison Reis e o diretor.

Não se trata de montagem infantil. Alice está numa festa à fantasia comandada pelo DJ Gato. A protagonista bebe um pouco mais e, a partir daí, as coisas acontecem. “Ela começa a ‘viajar’ e entra nesse país das maravilhas, que mostra muito o poder das relações. Depara-se com uma outra Alice, ela mesma. É como se encontrasse com o espelho”, resume Ana Cândida.

“É muito fácil as pessoas se identificarem, porque a peça fala de solidão. Isso não está óbvio, mas Alice se depara em sonho com personagens da vida real”, avisa a atriz.

Absurdo

A atmosfera onírica é a meta da Querida Companhia. O principal objeto de pesquisa das atrizes é o teatro do absurdo, presente no espetáculo de estreia. “A gente não usa muito cenário. Trabalhamos a fantasia em contraste com a realidade”, define Ana. Para que isso funcione bem, há vários recursos: “Tentamos caprichar no figurino, há alguns objetos de cena, mas a gente trabalha muito luz e sombra”, conclui a atriz.

ALICE AO AVESSO
De hoje até dia 31. Sexta-feira e sábado, às 21h; domingo, às 19h. Teatro Sesi Holcim, Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada). Censura: 14 anos. Informações: (31) 3241-7181."

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

“Alice ao avesso” estreia amanhã











Da obra do romancista e poeta britânico Lewis Carroll (1832-1898), “Alice ao avesso” é a estréia da semana no Teatro Sesi Holcim (Rua Padre Marinho, 60 – Santa Efigênia). O espetáculo marca o agrupamento da Querida Companhia de Arte, fundada pelas atrizes Ana Cândida Cardoso e Paula Sá (“Till” e “Chovia, mas os ladrões não usavam guarda-chuvas”). Com adaptação e direção do ator, dramaturgo e jornalista Jefferson da Fonseca Coutinho, “Alice ao avesso” é peça livremente inspirada em textos de Lewis Carrol, autor, entre outros, de “Alice no país das maravilhas”.

Na montagem da Querida Companhia, Alice está numa festa à fantasia comandada pelo descolado DJ Gato. Sentidos afetados, ao encontrar um coelho misterioso a garota parte em busca de respostas para o seu estado de perturbação. Sem rumo caminho adentro, personagens estranhos tornam ainda mais confusa a trajetória de Alice na volta de si mesma (?). Meio teatro do absurdo, meio realismo fantástico, “Alice ao avesso” dá continuidade ao trabalho de pesquisa do trio – diretor e atrizes – em “Chovia, mas os ladrões não usavam guarda-chuvas”.

Em 2005, ano de formatura de Ana Cândida Cardoso e Paula Sá, pela Escola de Teatro Puc Minas, a realidade absurda do mercado de trabalho brasileiro foi o ponto de partida para a investigação cênica da trupe. Dessa vez, a questão é a multiplicidade do indivíduo. Para o desafio de realizar “Alice ao avesso”, juntam-se ao elenco da Querida Companhia os atores Lílian Campomizzi, Emílio Zanotelli, João Porto e Wallison Reis.

Alice ao avesso
Da obra de Lewis Carroll

Produção: Querida Companhia de Arte
Adaptação e direção: Jefferson da Fonseca Coutinho
Cenário e projeto de luz: Criação coletiva
Figurino: Ana Cândida Cardoso
Maquiagem e objetos de cena: Mauro Gelmini
Trilha sonora: Wallison Reis
Fotografia: Adriana Porto
Vídeo: Antônio Mourão

Elenco:
Ana Cândida Cardoso, Emílio Zanotelli, João Porto, Lílian Campomizzi, Paula Sá e Wallison Reis

Teatro Sesi Holcim
Rua Padre Marinho, 60 – Santa Efigênia
Temporada: De 22 a 31 de outubro; sextas e sábados, às 21h; domingos, às 19h.
Ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia-entrada).
Censura: 14 anos

Contatos:
Ana Cândida – 3261-5605/8869-2808
Paula Sá – 9637-1416
Jefferson – 9952-2901

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sempre juntos pela vida

O assunto rende e pede passagem. As péssimas condições de muitas de nossas estradas somadas à irresponsabilidade de maus motoristas têm dado o que falar em nossa Bandeira Dois. Vale dizer que não são apenas os caminhoneiros a "rebite" (como é chamada a droga que eles usam para espantar o sono) os grandes responsáveis pela verdadeira carnificina que assombra as rodovias brasileiras. Além, é claro, dos interesses políticos que envolvem a coisa, tem gente a rodo em carro pequeno fazendo o diabo quando está no volante.

"Morte nas estradas, trens e política", texto da última quarta-feira, reuniu novos aliados na batalha por conscientização, atitude e paz. Trouxe também de volta ao Aqui o escritor e blogueiro Cacá, homem de bem e das letras, que tem sempre algo importante a dizer: "Dirigir nas estradas brasileiras requer uma série de cuidados. Só cuidamos, às vezes, de falar mal das condições precárias da sinalização, buracos, traçados mal feitos e outras coisas ruins. Elas existem mesmo e devem ser faladas e cobradas, claro! Mas, quem viaja pelo menos de vez em quando, pode prestar atenção, que a grande maioria dos desastres que desgraçam muitas vidas e famílias é culpa exclusiva dos maus motoristas. Imprudência, equívocos de toda espécie, impaciência, competição e o sentimento de poder que o carro dá, são ingredientes que, misturados ao transito, dão uma receita indigesta a qualquer um. Quer um exemplo desagradável? Faça uma viagem saindo de Belo Horizonte em direção ao Espírito Santo, Bahia, Rio, São Paulo ou Brasília. Com muito cuidado e com um olho na direção e outro na circulação em geral para observar as atrocidades cometidas pelos aventureiros que parecem estar praticando esses esportes radicais, aliás, muito menos perigosos, pois só arriscam a vida do praticante. (Isso não é tanto para você que já viaja muito e sabe até melhor doque eu. Mas serve para quem passar por aqui). Um abraço e obrigado pela lembrança. Paz e bem."

Não há o que agradecer, Cacá. Este quintal também é seu. Volte sempre. Meus companheiros de batente estão todos comprometidos com esta causa pela vida. Se cada um fizer a sua parte, tenho certeza, mudamos o mundo. É o que a Sueli, motorista exemplar, sempre diz: "Mais vale perder um minuto na vida, do que a vida em um minuto". A companheira sabe das coisas.

Fizemos um curso juntos, no Vale do Aço, de segurança no trabalho voltado especialmente para profissionais do volante. A professora ficou encantada com a participação da Sueli. Acompanhei tudo, silencioso, com muito orgulho. A Sueli tinha sempre algo de valor para complementar e fortalecer o que dizia a especialista. Lembro-me que na época, em 2006, a professora até convidou a Sueli para ser monitora em outros de seus projetos. Grande Sueli! Na ocasião, aprendemos, definitivamente, que o que não pode ser feito com segurança não deve ser feito. Que o respeito à vida deve estar sempre em primeiro lugar. "Sempre juntos pela vida". Foi o que aprendemos lá, no Vale do Aço.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 20/10/10

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Hoje tem Van Gogh no Palácio das Artes


Hoje, nos jardins internos do Palácio das Artes, às 19h, tem "Vincent". A apresentação faz parte do projeto Terças Poéticas, com curadoria do poeta Wilmar Silva.


(As fotos deste post são de Allan Calisto, ator, técnico e fotógrafo revelação, que, no último sábado, fez a cobertura dos 10 anos da Escola de Teatro Puc Minas. Valeu, Allan!)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Antes que o amanhã aconteça (6)

A romântica cantora da noite jamais imaginou ouvir tanto sobre sexo profissional. Ariela, empolgada com a ouvinte de luxo, falou da carreira na Rua Guaicurus com a naturalidade de boa aluna, que descreve os feitos na universidade. Dorinha, dona da casa, perguntou à visitante se ela se importaria em conversar enquanto passava pequena trouxa de roupa:

– É pouca coisa. É que não gosto de deixar para depois.
– Precisa de ajuda? Vou dar jeito na louça pra você.
– De jeito nenhum. Você é visita. Quando terminar de comer eu cuido da pia.
– Já acabei. Não me custa ajudar.
– Ariela... menina.
– Já estou com a mão na massa. Quase não faço isso. Lá em casa tem a dona Marcelina que cuida de tudo. A gente não lava nem as calcinhas.
– Suas amigas?
– Humhum. A gente vive que nem dondoca. Quase todo mundo já tem carro. A briga agora é por causa de garagem. São só duas vagas e tem três carros. Aí a gente aluga a do vizinho e faz revezamento. Só que a mulher dele morre de ciúmes e de vez em quando o barraco tá armado. A verdade é que ele dá em cima da gente.
– Elas trabalham com você?
– Só duas. As outras já mudaram de vida. Uma é atriz pornô. Ela passa a metade do mês aqui e a outra no Rio de Janeiro. Tem uma, a Lenora, que começou com um lance novo aí com site erótico. Ainda não sei bem o que é. Só sei que ela fica se masturbando na frente da câmera do computador e tá ganhando dinheiro com isso. Vai entender. Não gosto de dinheiro fácil não.
– O que vem fácil, vai fácil, né!?
– Então. Cresci ouvindo o meu pai falar isso mesmo que você falou. Tem gente que diz que prostituta é mulher de vida fácil. Não tem nada de fácil no que eu faço não.
– E você?
– O que?
– Pensa mudar de vida?
– Penso não.
– Você estuda?
– Estudar pra quê? O presidente não estudou. Quase todo mundo que conheço, que passou a vida na escola, está passando dificuldade. Quando eu era mais nova, pensava ser jornalista, mas também nem precisa mais de diploma. Se quiser ainda posso ser.

Na companhia de Dorinha, Ariela foi soltando cada vez mais a língua. Excitadíssima, parecia ter reencontrado amiga de infância. Deixou falar joelhos e cotovelos.

(Continua na próxima segunda-feira)
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 18/10/10

sábado, 16 de outubro de 2010

12 horas de espetáculos de graça




Hoje tem maratona teatral na PUC Minas

Hoje, às 19h, na Puc Minas (Praça da Liberdade), tem "Vincent"


Mambembe pelo Brasil, desde 1995, Vincent Van Gogh está hoje no Espaço Cultural da PUC Minas (Praça da Liberdade), às 19h, na Rua Sergipe, 790, com entrada franca. Com orgulho, pelos 10 anos da escola de teatro da universidade, divido a cena com os companheiros Walmir José, Dulce Beltrão, Luciano Luppi, Luiz Arthur e Cinthia Paulino.



Deu no Estado de Minas:

"Como festejar o aniversário de uma escola de teatro? Com espetáculos, muitos espetáculos, claro. Amanhã, a Escola de Teatro PUC Minas comemora seus 10 anos de existência com uma maratona de 12 horas: da manhã à noite, o público terá a disposição, com entrada franca, 10 espetáculos diferentes, que têm em comum apenas o fato de serem interpretados, dirigidos ou escritos por professores, alunos ou ex-alunos da escola.

Há projetos pessoais que os professores conduzem há anos, como as Cartas poéticas, criado e interpretado por Luciano Luppi, ou Vincent – Asas da agonia, de Jefferson da Fonseca Coutinho. E há obras inéditas, como Solidão, solo para quatro, cuja estreia marca a volta de Dulce Beltrão aos palcos como bailarina – nas últimas décadas, ela atuou como preparadora de atores, professora e coreógrafa. E, como não podia deixar de ser, a programação inclui espetáculos que foram criados dentro da própria escola, como parte das atividades curriculares (Capitães da areia, dirigido por Dulce Beltrão, sua estreia como encenadora em teatro, e inspirado no romance homônimo de Jorge Amado) ou como pesquisa pessoal dos alunos (Museu vivo e o vagabundo).

A Escola de Teatro PUC Minas nasceu de uma aliança entre o Teatro de Pesquisa, capitaneado pelo diretor Pedro Paulo Cava, e a PUC Minas, com o objetivo de reacender o espírito da Oficina de Teatro, que nos anos 80 foi o principal centro de preparação de profissionais de teatro em Belo Horizonte, propondo a seus alunos uma estrutura mais livre e uma abordagem mais crítica do ensino das artes cênicas. A iniciativa prosseguiu mesmo depois do afastamento de Pedro Paulo – atualmente, a escola é coordenada por Walmir José. Que, como não podia deixar de ser, também se expõe na maratona deste sábado: ele escreveu, dirigiu e é um dos intérpretes de Erva daninha. Afinal, professor de teatro que não sobe ao palco, pelo menos de vez em quando, pode estar na profissão errada".

MARATONA TEATRAL
Sábado, de 10h às 22h. 10h – Capitães da areia. 11h30 – E aí, bicho?. 12h30 – Cartas poéticas. 13h30 – Museu vivo e o vagabundo e Coleção paranoia. 14h30 – Erva daninha. 16h30 – A morte de DJ em Paris. 18h – Morte. 19h – Vincent – Asas da agonia. 20h – Solidão, solo para quatro. 21h – A última canção de amor deste pequeno universo. Espaço Cultural da Escola de Teatro PUC Minas (Rua Sergipe, 790, Funcionários). Entrada franca.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Morte nas estradas, trens e política

Na semana passada, nossa Bandeira dois, com o texto “Piedade, senhor caminhoneiro. Piedade”, rendeu bom debate sobre a falta de respeito e amor à vida por parte de maus motoristas que ganham a vida nas estradas. Foram muitos os e-mails e mensagens de amigos, leitores e amigos leitores. Teve de tudo: de análises mais comedidas, delicadas, ao desabafo triste de quem já perdeu alguém querido, vítima de carreteiro irresponsável. Também teve o Pablo, de Sete Lagoas, que espinafrou com dureza: “A verdade, Josiel, é que tem muito caminhoneiro que só pensa em si mesmo. O camarada tá lá, montado num gigante, não quer nem saber do coitado que tá guiando o seu carrinho. Passa por cima. Gente assim tem que ir é pra cadeia, porque é tão assassino quanto o criminoso que aperta o gatilho. Mas, neste país, é tudo uma farra. Abração”.

Já o Juarez escreveu: “Prezado Josiel, bom dia. Lendo sua coluna ontem, com pesar, cheguei à triste conclusão de que não é só nas estradas que existem estes personagens. Na terça-feira, dia 5, por volta de 17h, presenciei um fato estúpido. Na saída da Antonio Carlos para entrar na Contorno, indo em direção ao elevado. Um ônibus havia entrado na frente de um caminhão, que abriu a buzina e acelerou para ultrapassar o ônibus. Diminuí um pouco, mantendo uma distancia maior. No início do elevado, o caminhão entrou fechando o ônibus, batendo na parte da frente, apesar do motorista do ônibus ter tentado sair fora. O motorista do caminhão parou mais à frente e não sei o que resolveram, mas a estupidez dele prova a sua não condição de direção. Imagine se fosse um carro pequeno com uma família. Poderia haver tragédia, pois ele não respeitou nem um ônibus. Acho que é reflexo da impunidade que impera neste país e a certeza de que a justiça não o fará pagar pelos danos causados. A educação ainda está longe de ser praticada. Infelizmente a “Lei de Gerson" anda funcionando muito. Mas temos de acreditar numa melhora. At, Juarez Rodrigues dos Santos”

Cacá, bom amigo blogueiro (http://uaimundo.blogspot.com) não podia faltar: “Eu até pensei que fosse do acidente aqui em Neves (BR-040), ontem. Um caminhoneiro saiu do posto pela contramão e matou uma pessoa na hora, que estava em uma D20. Mais umas quatro ou cinco ainda estão hospitalizadas em estado grave. Passei por lá pouco depois e foi uma cena arrepiante. Ainda há de aparecer um presidente que vai investir de volta nas ferrovias. Isso é o que falta, além de construir estradas decentes. Um abraço. Paz e bem.
Cacá”

É. O assunto é pauta para toda semana. Até quando? É a pergunta que fica. Assusta-me tomar conhecimento de gente que perde a vida entre as ferragens todos os dias. Sou um homem do volante e das notícias e, ainda assim, não me acostumo com isso. O Cacá tem toda razão, quando diz que a solução pode estar na construção de malha ferroviária decente, que desafogue as estradas. Mas, amigo Cacá, e como fica a ganância da indústria automobilística e seus parceiros políticos?

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 13/10/10

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O segredo da boa interpretação

O polonês Jerzy Grotowski (1933-1999) deixou muitas lições. A maior delas, sem dúvida, é a reconstrução da verdade a partir do que é inteiro. Todo o resto é gesto, movimento da mentira. Não só para atores e iniciados, é sempre bom reviver o professor. Sobre o método das ações físicas, em palestra proferida no Festival de Teatro de Santo Arcangelo (Itália), em junho de 1988, Grotowski ensinou:

"Os atores pensavam poder organizar seu papel através das emoções e Stanislavski por muitos anos de sua vida pensou assim, de maneira emotiva. O velho Stanislavski descobriu verdades fundamentais e uma delas, essencial para o seu trabalho, é a de que a emoção é independente da vontade. Podemos tomar muitos exemplos da vida cotidiana. Não quero estar irritado com determinada situação mas estou. Quero amar uma pessoa mas não posso amá-la, me apaixono por uma pessoa contra a minha vontade, procuro a alegria e não acho, estou triste, não quero estar triste, mas estou.

O que quer dizer tudo isso? Que as emoções são independentes da nossa vontade. Agora, podemos achar toda a força, toda a riqueza de emoções de um momento, também durante um ensaio, mas no dia seguinte isto não se apresenta porque as emoções são independentes da vontade. Esta é uma coisa realmente fundamental. Ao contrário, o que é que depende da nossa vontade? São as pequenas ações, pequenas nos elementos de comportamento, mas realmente as pequenas coisas - eu penso no canto dos olhos, a mão tem um certo ritmo, vejo minha mão com meus olhos, do lado dos meus olhos quando falo minha mão faz um certo ritmo, procuro concentrar-me e não olhar para o grande movimento de leques (referência às pessoas se abanando no auditório) e num certo ponto olho para certos rostos, isto é uma ação.

Quando disse olho, identifico uma pessoa, não para vocês, mas para mim mesmo, porque eu a estou observando e me perguntando onde já a encontrei. Vejam a posição da cabeça e da mão mudou, porque fazemos sempre uma projeção da imagem no espaço; primeiro esta pessoa aqui, onde a encontrei, em qualquer lugar a encontrei, qualquer parte do espaço e agora capto o olhar de um outro que está interessado e entende que tudo isso são ações, são as pequenas ações que Stanislavski chamou de físicas. Para evitar a confusão com sentimento, deve ser formulável nas categorias físicas, para ser operativo. É nesse sentido que Stanislavski falou de ações físicas. Se pode dizer física justamente por indicar objetividade, quer dizer, que não é sugestivo, mas que se pode captar do exterior.

O que é preciso compreender logo, é o que não são ações físicas. As atividades não são ações físicas. As atividades no sentido de limpar o chão, lavar os pratos, fumar cachimbo, não são ações físicas, são atividades. Pessoas que pensam trabalhar sobre o método das ações físicas fazem sempre esta confusão. Muito freqüentemente o diretor que diz trabalhar segundo as ações físicas manda lavar pratos e o chão. Mas a atividade pode se transformar em ação física. Por exemplo, se vocês me colocarem uma pergunta muito embaraçosa, que é quase sempre a regra, eu tenho que ganhar tempo. Começo então a preparar meu cachimbo de maneira muito "sólida". Neste momento vira ação física, porque isto me serve neste momento. Estou realmente muito ocupado em preparar o cachimbo, acender o fogo, assim DEPOIS posso responder à pergunta.

Outra confusão relativa às ações físicas, a de que as ações físicas são gestos. Os atores normalmente fazem muitos gestos pensando que este é o mistério. Existem gestos profissionais - como os do padre. Sempre assim, muito sacramentais. Isto são gestos, não ações. São pessoas nas situações de vida. Pois sobretudo nas situações de tensão, que exigem resposta imediata, ou ao contrário em situações positivas, de amor, por exemplo, também aqui se exige uma resposta imediata, não se fazem gestos nessas situações, mesmo que pareçam ser gestos. O ator que representa Romeu de maneira banal fará um gesto amoroso, mas o verdadeiro Romeu vai procurar outra coisa; de fora pode dar a impressão de ser a mesma coisa, mas é completamente diferente. Através da pesquisa dessa coisa quente, existe como que uma ponte, um canal entre dois seres, que não é mais físico. Neste momento Julieta é amante ou talvez uma mãe. Também isto, de fora, dá a impressão de ser qualquer coisa de igual, parecida, mas a verdadeira reação é ação. O gesto do ator Romeu é artificial, é uma banalidade, um clichê ou simplesmente uma convenção, se representa a cara de amor assim. Vejam a mesma coisa com o cachimbo, que por si só é banal, transformando-a a partir do interior, através da intenção - nesta ponte viva, e a ação física não é mais um gesto.

O que é gesto se olharmos do exterior? Como reconhecer facilmente o gesto? O gesto é uma ação periférica do corpo, não nasce no interior do corpo, mas na periferia. Por exemplo, quando os camponeses cumprimentam as visitas, se são ainda ligados à vida tradicional, o movimento da mão começa dentro do corpo (Grotowski mostra), e os da cidade assim (mostra). Este é o gesto. Ação é alguma coisa mais, porque nasce no interior do corpo. Quase sempre o gesto encontra-se na periferia, nas "caras", nesta parte das mãos, nos pés, pois os gestos muito freqüentemente não se originam na coluna vertebral. As ações, ao contrário, estão radicadas na coluna vertebral e habitam o corpo. O gesto de amor do ator sairá daqui, mas a ação, mesmo se exteriormente parecer igual será diversa, começa ou de qualquer parte do corpo onde existe um plexo ou da coluna vertebral, aqui estará na periferia só o final da ação. É preciso compreender que há uma grande diferença entre Sintomas e Signos/Símbolos. Existem pequenos impulsos do corpo que são Sintomas. Não são realmente dependentes da vontade, pelo menos não são conscientes - por exemplo, quando alguém enrubesce, é um Sintoma, mas quando faz um Símbolo de estar nervoso, este é um Símbolo (bate com o cachimbo na mesa). Todo o Teatro Oriental é baseado sobre os Símbolos trabalhados. Muito freqüentemente na interpretação do ator estamos entre duas margens. Por exemplo, as pernas se movem quando estamos impacientes. Tudo isso está entre os Sintomas e Símbolos. Se isto é derivado e utilizado para um certo fim se transforma em uma ação.

Outra coisa é fazer a relação entre movimento e ação. O movimento, como na coreografia, não é ação física, mas cada ação física pode ser colocada em uma forma, em um ritmo, seria dizer que cada ação física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada. Do exterior, nos dois casos, estamos diante de uma coreografia. Mas no primeiro caso coreografia é somente movimento, e no segundo é o exterior de um ciclo de ações intencionais. Quer dizer que no segundo caso a coreografia é parida no fim, como a estruturação de reações na vida"

domingo, 10 de outubro de 2010

Eda 50 anos


Festa de arromba para comemorar os 50 anos da cantora Eda Costa. Em Macacos, ontem, familiares, atores, professores e músicos, artistas de várias gerações, festejaram a dona do sorriso mais bonito de nossas Minas Gerais. Meu carinho, Eda!

sábado, 9 de outubro de 2010

Antes que o amanhã aconteça (5)

Dorinha fez de tudo para desconversar. Levou os talheres sujos para a pia e colocou comida para o Raul. O cão, agradecido, lambeu-lhe as canelas. Ariela, comendo mamão com vontade, quis desenrolar a língua:

– Mas eu trabalho muito mais que você, né!?
– Acho que sim.
– Estou atrapalhando? Você precisa sair e estou te prendendo, né!?
– Não. Só vou trabalhar à noite. Fique à vontade.
– É que ainda vou tentar falar com o pai. Quero só deixar a raiva dele passar.
– Hoje, você não vai trabalhar?
– Estou de folga. Ter um negócio por conta própria tem disto: a gente vai quando quer.
– É.
– Com o dinheiro que tô ganhando não preciso ir todo dia.
– Há quanto tempo você está nessa profissão?
– Desde os 18.
– Você tá com 20?
– 19. Faço 20 amanhã. E você?
– 29.
– Parece bem menos. Eu te dava 25, no máximo.
– Obrigada. Faz bem ouvir isso.
– E pra mim? Quantos anos você dá?
– A sua idade mesmo. No máximo 20.
– Falam que eu pareço ter mais. Mas os caras gostam é do tipo ninfeta. Tem até fila no quarto. Já fiz 32 programas num dia.
– Sério?
– Pior que é. Hoje não faço isso mais não. Tento fazer programa caprichado e dobro o tempo com o cara. Aí ganho mais. Também passo menos tempo na ralação.
– Você não tem nojo?
– Só no começo. Depois me acostumei. Lavô, tá novo. Até aparecem uns gatinhos lá. Tem uns caras que voltam toda semana e me dão até presente. Tenho uma amiga que quer que eu coloque minhas fotos num site. Tenho medo. Prefiro lá no hotel mesmo. É mais seguro. Pago R$ 80 de diária e o resto é meu.

A romântica cantora da noite jamais imaginou ouvir tanto sobre sexo profissional. No início, chegou a pensar em cortar a menina Ariela, com desculpa de ter que ensaiar o novo repertório para o show, logo mais, em bar dançante.

(Continua no próximo sábado)


Bandeira Dois - Jefferson da Fonseca Coutinho - 9/10/10

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Piedade, senhor caminhoneiro. Piedade

Aproveito o susto, no calor do medo e do assombro, para descer a caneta em nossa Bandeira Dois de hoje. Há cinco minutos, a seis ou sete quilômetros daqui, vi a “vó” pela greta, como dizem. Que loucura! Mas, vamos lá... Estou num restaurante requintado, à beira da estrada, em Luz, cidade mineira. Um suco de maracujá para aquietar a respiração. Pronto. Caderneta aberta na mesa, vamos ver se dou conta de escrever a coluna. Estou voltando de Uberlândia, Triângulo Mineiro. Estive a trabalho na terra da Ana e do Pedro.

O Adelson, que roda sempre por estas bandas, avisou-me sobre as obras na BR-262. Falou-me para tomar cuidado, especialmente com os caminhoneiros que andam tresnoitados para rodar mais e mais. “Josiel, fique muito atento porque a coisa tá feia. Tá faltando caminhoneiro no Brasil. Aí, tá cheio de maluco rodando a base de rebite.” Rebite é como os caminhoneiros chamam a droga que eles usam para enganar o sono. Uma anfetamina de uso descontrolado que tem acabado com a saúde de muita gente. O que sei é que na ida para Uberlândia, ontem, já pude perceber os perigos da minha viagem. Há muito tempo não via tanta irresponsabilidade numa mesma viagem.

Em vários trechos estrada afora, por causa das obras, o asfalto não tem faixa ou sinalização. Conhecendo bem o trajeto, muitos caminhoneiros irresponsáveis abusam da velocidade e das ultrapassagens perigosas. Vi cada coisa de fazer virar quem já morreu. Agora, perto daqui, por exemplo, um carreteiro desembestado por muito pouco não destruiu uma família. Pelo retrovisor eu já estava manjando o sujeito. Ele estava cortando Deus e o mundo de qualquer maneira. Ele devia estar fazendo uns 140km por hora quando me cortou. Logo na minha frente, no final de uma reta, resolveu cortar um ônibus. Foi um ato de irresponsabilidade inacreditável, já que naquele ponto não havia a menor visibilidade que desse condição para a ultrapassagem.

No sentido contrário, um Meriva com quatro pessoas. Na fração do segundo, o motorista do veículo, conseguiu deslocar o carro para um resto de acostamento, indo parar numa vala. Por um triz, por muito pouco mesmo, o carreteiro não pegou a família de frente. Com o impacto da manobra, uma das rodas dianteiras precisou ser trocada. Fiquei muito assustado. Parei para oferecer ajuda. O carreteiro desapareceu estrada afora. O Gilberto, motorista do Meriva estava indo para Araxá com a mulher e com os dois filhos adolescentes. Conversamos um pouco e ele disse que tem evitado pegar estrada por causa de gente irresponsável assim, como esse maluco da carreta.

Segui adiante e poucas curvas depois, foi comigo. Outro desembestado na contramão. Dessa vez, bem na minha direção. Foi por um cisco. Joguei o carro para a direita e agradeci muito a Deus pela oportunidade de continuar vivo. Decidi parar o carro no primeiro restaurante que encontrasse pelo caminho para escrever Bandeira Dois. Consegui: piedade, senhor caminhoneiro. Piedade.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 6/10/10

sábado, 2 de outubro de 2010

Antes que o amanhã aconteça (4)

A puta tentou segurar tristeza. Firme, deixou única lágrima borrar a maquiagem retocada. Dorinha, foi tomando gosto pelo encontro. Caprichou no café, com torradas e geléia. Demonstrou toda paciência com a garota que, vez por outra, se esvaziava com a cabeça ao longe. Chegou a passar minutos com o mesmo pedaço de pão parado na ponta dos dedos. Ariela falava da família com muita mágoa. Já do pai, mantinha brilho nos olhos de amor sincero. Lamentou profundamente o desentendimento vivido da noite para o dia. Ainda mais pela saudade doída de dois anos sem notícias.

Pelo telefone fixo, novo contato para show. Dorinha pediu licença à Ariela e tomou nota na agenda: “Sexta? Posso. Claro... Não dá pra ser um pouco mais? Sei. Então... tudo bem. Se é o que vocês têm, tá bom. Mais o jantar e o táxi tá bom. Sou sozinha, né, Theo!? Tenho que pagar as contas. Canto sim. Umas cinco ou seis músicas dela, mas posso tirar mais até lá. Pode deixar. Um beijo. Até.”, desligou feliz pelo trabalho acertado. Ariela ouviu a conversa e demonstrou interesse pela vida da artista:

– Já quis ser cantora.
– Ainda tem tempo. Você é menina.
– Não levo jeito. Desafino até em parabéns.
– Não tem isso. Sua voz é boa.
– Tenho voz de taquara rachada.
– Não tem. Sua voz é bonita. Está um pouco suja. Você fuma?
– Fumava. Mais de dois maços por dia.
– Que bom que parou. Faz tempo?
– Ontem. O pai nunca gostou de cigarro. Fiz promessa que se achasse ele, não fumava nunca mais. Joguei dois pacotes no lixo e taquei fogo. Agora, estou com muita vontade, mas vou segurar. Promessa é promessa, né!?
– Para o seu bem é melhor não quebrar.
– Quanto você tira com seu show?
– Depende. Livre... dá uns R$ 300.
– Eu também.
– Por semana.
– Ah... faço isso por dia.
– Melhor a gente não render o assunto.

Dorinha fez de tudo para desconversar. Levou os talheres sujos para a pia e colocou comida para o Raul. O cão, agradecido, lambeu-lhe as canelas.

(Continua no próximo sábado)

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 2/10/10